domingo, 27 de julho de 2014

O Rio



O Rio

É sabido que a mente humana, quando em certas situações específicas, tem a incrível capacidade de se confundir com sons e imagens que, a priori, não aconteceram, chegando ao absurdo de, em casos extremos, gerar lembranças vívidas de fatos impossíveis de terem existido.

Desnecessário dizer que, por mais realistas que sejam, imagens e sons fantásticos são parte exclusiva do campo da imaginação, devaneios oníricos que colocam à prova a percepção e resiliência da mente humana.
Contudo, ainda tenho calafrios quando me recordo daquelas visões... e tremo ao ouvir o som do vento nas folhas... mas tudo não passou de um delírio, um surto de uma mente cansada...

O rio no qual pescava, muito embora seja calibroso em largura e em volume d’água, não consta de mapas da minha região, pois diferentemente de outros rios que desaguam inexoravelmente no mar, esse adentra novamente as profundezas da terra, por meio de um grande e voraz sumidouro. Por isso, acredito que poucos conheçam sua breve existência superficial, senão aqueles que habitam nestas terras ermas.

Gosto, ou ao menos gostava, de ficar sentado por horas a fio, nas margens desse rio, especialmente durante a tarde, observando as montanhas de onde ele se origina, enquanto o céu esfria de seu tom amarelado para um vermelho vívido, o que sempre acompanha o silvo dos ventos gélidos. Nesse momento, sei que é melhor me levantar e voltar para casa.

O dia estava anormalmente frio, por isso recostei-me junto ao tronco de uma grande árvore, enquanto me aquecia com o brilho do sol. Acabei adormecendo com o ruído das águas, sendo embalado por elas, até que a sensação de frio se abateu sobre meu corpo.

Acordei encolhido, num esforço reflexo para me manter aquecido, quando percebi que havia dormido demais.

O céu já estava violeta, com algumas estrelas já despontadas em sua abóboda. Tudo estava silencioso, mortalmente quieto. Até mesmo o rio estava mudo, como se à espera de algo.

Lembro-me de esfregar os olhos ainda pesados, quando senti a terra tremer.

Um odor nauseante tomou conta do local, algo tão repugnante que não possuo palavras para descrever aquilo.

Enquanto recobrava o fôlego, senti que aquilo que fazia a terra tremer estava se aproximando de minha localização, e parecia ser muito pesado.

Do outro lado do rio não havia uma margem bem definida, antes um barranco se levantava, e em seu topo havia árvores grossas e antigas, cujas raízes brigavam para manter firme a terra que a água insistia em escavar.

Não vi aquilo diretamente, mas era enorme, e se movia pesadamente por detrás daquelas árvores.

Quando parou, pude ouvir sua respiração pesada se alterar para algo como... um farejar!

Minha mente atordoada fez com que meu corpo congelasse, enquanto via aquele ser indescritível farejar minha localização.

Aqueles momentos pareceram uma eternidade, mas enfim passou. Aquilo voltou a caminhar descompassadamente para longe de minha posição.

Quando me senti protegido, me levantei e comecei a percorrer meu caminho para voltar, mas um urro fez meu coração quase explodir no peito.

Correndo atrás de mim, aquilo se avolumava pela margem do rio!

Era um pesadelo! Tinha de ser um pesadelo!

Havia ao menos duas mandíbulas dentadas, que espumavam freneticamente, enquanto três poderosas patas pisavam o leito do rio. Membros sinuosos balançavam sobre seu topo, longos e ameaçadoramente hostis, jogados hora para a esquerda, hora para a direita e frente, enquanto aquilo trombava em árvores e esmagava pedras.

Corri, mas não o suficiente. Aquilo segurou minha perna esquerda e, com um urro, me arremessou como a um graveto.

Lembro-me de cair na água, e nada mais.

Quando dei por mim, estava em casa, deitado em minha cama. Não me recordo como ou quando cheguei aqui, e me recuso a acreditar que aquilo é real.

Porém, o ferimento recém descoberto em minha perna esquerda me faz duvidar de mim mesmo, e tremer pelo pior.